Mentiroso, idiota, simpatizante de terrorista, enganador, desgraçado, louco. Essas e outras palavras de ódio e maldições de vários calibres foram dirigidas ao correspondente do 'The Independent' no Oriente Médio Robert Fisk. Ninguém as cuspiu em sua cara - elas estavam registradas nos campos de comentários de um artigo escrito em janeiro pelo jornalista - mas a vulgaridade, o caráter abusivo e ofensivo são os mesmos, com um agravante: os ataques virtuais vêm de anônimos, perigo tão comum na cibercultura. Mas afinal, por que as pessoas manifestam tanto ódio em comentários on-line?
A chave para compreender o fenômeno parece passar sim pelo anonimato, mas não apenas por ele, de acordo com as conclusões prévias da pesquisa 'Violência em Sites de Redes Sociais', elaborada pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade Católica de Pelotas, em parceria com o Grupo de Análise do Discurso da mesma instituição. O estudo tenta encontrar resposta para a pergunta "Por que as pessoas são tão agressivas e 'sem noção' na mídia social?", como questionou a pesquisadora do PPGL Raquel Recuero, cujas áreas de interesse são redes sociais e comunidades virtuais na internet, conversação e fluxos de informação e capital social no ciberespaço e jornalismo digital.
Em seu blog 'Ponto Mídia', Raquel explica que o objetivo da pesquisa é estudar a violência discursiva (tanto objetiva quanto subjetiva), mas especificamente a violência simbólica, e dá algumas pistas sobre os resultados. Uma das frentes do trabalho considera a face e o possível anonimato. "Nos sites de rede social não se vê a face do outro, ou o grupo que observa uma ofensa e o possível anonimato muitas vezes oferecido por essas ferramentas atua como válvula de escape para algumas agressões mais inflamadas, justamente porque o sujeito sabe que não vai sofrer sanção social se não souberem quem é ele."
Para o jornalista Samuel Barros, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Governo Eletrônico e Democracia Digital da Universidade Federal da Bahia este é um fenômeno bastante complexo, por uma dimensão subjetiva e outra social, mas algumas variáveis básicas podem contribuir para explicá-lo, como a crença de que o anonimato da internet protege contra penalidades. "Por conta da possibilidade de publicar conteúdos sem identificação, algumas pessoas avaliam que os discursos publicados na internet não são passíveis de punições, mesmo que afete os direitos objetivos ou subjetivos de outros."
Outro ponto levantado por Raquel é a hiperconexão das redes gerada pelos sites de rede social fazendo com que grupos que não dividem os mesmos valores e hábitos tenham contato, aumentando assim a possibilidade de atrito. "Quando somos obrigados a conviver diretamente com o diferente, surge o conflito", diz.
Samuel comenta: "Em uma sociedade plural, é verdade, mas é possível viver relativamente fechado em grupos. Então, quando as pessoas se encontram na internet podem emitir discursos que julgam bem aceitos e referendados, mas que na verdade são repudiados pela opinião pública", diz. "Chamo de opinião pública aquela que é de conhecimento público, baseada em valores de respeito à pluralidade do humano que se manifesta no outro. A internet, portanto, dá visibilidade a discursos de ódio ou preconceituosos que não são entendidos em seus grupos de origem como tais."
Uma terceira hipótese é o humor, mercadoria de capital social supervalorizada nas redes. "É 'legal' ser engraçado. Entretanto, na busca desesperada por fazer humor e acumular reputação com os amigos, as pessoas esquecem dos grupos que não são tão próximos que acabam também recebendo aquela mensagem e que podem interpretá-la em um contexto diferente e se ofender", explica Raquel.
"Nos ambientes on-line de interação social a fronteira entre público e privado não é facilmente perceptível", concorda Samuel, que é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da UFBA. "De modo que as pessoas imaginam estarem falando privadamente com pessoas que compartilham determinadas opiniões incivis, mas estas opiniões transbordam o limite do privado e chegam ao conhecimento público. Enfim, neste caso, as pessoas têm consciência de que o discurso é incivil, mas o emite por uma falsa impressão de que o ambiente de interação é privado."
O artigo 'Crude Comments and Concern: Online Incivility's Effect on Risk Perceptions of Emerging Technologies', publicado em fevereiro por cinco pesquisadores da Universidade Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, revela informações de uma investigação específica sobre a influência de comentários ofensivos na maneira como as pessoas opinam sobre fatos, dados, eventos e processos sobre os quais têm pouco conhecimento. No caso da pesquisa, nanotecnologia, um tema propositalmente neutro, escolhido para evitar arroubos passionais.
O jornalista Carlos Castilho, do 'Código Aberto', blog que segundo seu autor já teve "a área de comentários bastante tumultuada durante quase dois anos por trocas de ofensas entre leitores impacientes, pouco acostumados a terem suas opiniões contestadas por outros", comentou a pesquisa da instituição norte-americana: "As conclusões mostraram que as pessoas com pouca familiaridade com novas tecnologias como a nanotecnologia tendem a valorizar mais o lado negativo do tema em questão quando os comentários postados nos textos do blog resvalaram para a baixaria e ofensas pessoais."
Carlos destaca que, segundo o estudo, "embora os comentaristas pouco civilizados sejam os responsáveis pela criação de um clima de radicalização de posições num debate on-line, a causa, o gatilho que dispara a polêmica, é a noticia ou o texto analítico original publicado num blog, rede social ou página web de referência. A pesquisa mostra que uma notícia descontextualizada, enviesada ou uma análise crítica posicionada contra alguma ideologia, projeto político, postura religiosa ou proposta partidária tende a acirrar ânimos."
Samuel acredita que ao mesmo tempo em que a internet viabiliza a associação para ações benéficas em termos democráticos e sociais, permite também a reunião e a organização de extremistas, radicais e intolerantes de todos os tipos para a produção de discursos ou, pior, de ações contra determinados atores ou identidades.
A conclusão é que compreender por que as pessoas se sentem à vontade para manifestar ódio em comentários on-line é difícil e exige uma consideração sobre a dinâmica da comunicação, as motivações psicológicas e as implicações éticas.
A chave para compreender o fenômeno parece passar sim pelo anonimato, mas não apenas por ele, de acordo com as conclusões prévias da pesquisa 'Violência em Sites de Redes Sociais', elaborada pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade Católica de Pelotas, em parceria com o Grupo de Análise do Discurso da mesma instituição. O estudo tenta encontrar resposta para a pergunta "Por que as pessoas são tão agressivas e 'sem noção' na mídia social?", como questionou a pesquisadora do PPGL Raquel Recuero, cujas áreas de interesse são redes sociais e comunidades virtuais na internet, conversação e fluxos de informação e capital social no ciberespaço e jornalismo digital.
Em seu blog 'Ponto Mídia', Raquel explica que o objetivo da pesquisa é estudar a violência discursiva (tanto objetiva quanto subjetiva), mas especificamente a violência simbólica, e dá algumas pistas sobre os resultados. Uma das frentes do trabalho considera a face e o possível anonimato. "Nos sites de rede social não se vê a face do outro, ou o grupo que observa uma ofensa e o possível anonimato muitas vezes oferecido por essas ferramentas atua como válvula de escape para algumas agressões mais inflamadas, justamente porque o sujeito sabe que não vai sofrer sanção social se não souberem quem é ele."
Para o jornalista Samuel Barros, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Governo Eletrônico e Democracia Digital da Universidade Federal da Bahia este é um fenômeno bastante complexo, por uma dimensão subjetiva e outra social, mas algumas variáveis básicas podem contribuir para explicá-lo, como a crença de que o anonimato da internet protege contra penalidades. "Por conta da possibilidade de publicar conteúdos sem identificação, algumas pessoas avaliam que os discursos publicados na internet não são passíveis de punições, mesmo que afete os direitos objetivos ou subjetivos de outros."
Outro ponto levantado por Raquel é a hiperconexão das redes gerada pelos sites de rede social fazendo com que grupos que não dividem os mesmos valores e hábitos tenham contato, aumentando assim a possibilidade de atrito. "Quando somos obrigados a conviver diretamente com o diferente, surge o conflito", diz.
Samuel comenta: "Em uma sociedade plural, é verdade, mas é possível viver relativamente fechado em grupos. Então, quando as pessoas se encontram na internet podem emitir discursos que julgam bem aceitos e referendados, mas que na verdade são repudiados pela opinião pública", diz. "Chamo de opinião pública aquela que é de conhecimento público, baseada em valores de respeito à pluralidade do humano que se manifesta no outro. A internet, portanto, dá visibilidade a discursos de ódio ou preconceituosos que não são entendidos em seus grupos de origem como tais."
Uma terceira hipótese é o humor, mercadoria de capital social supervalorizada nas redes. "É 'legal' ser engraçado. Entretanto, na busca desesperada por fazer humor e acumular reputação com os amigos, as pessoas esquecem dos grupos que não são tão próximos que acabam também recebendo aquela mensagem e que podem interpretá-la em um contexto diferente e se ofender", explica Raquel.
"Nos ambientes on-line de interação social a fronteira entre público e privado não é facilmente perceptível", concorda Samuel, que é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da UFBA. "De modo que as pessoas imaginam estarem falando privadamente com pessoas que compartilham determinadas opiniões incivis, mas estas opiniões transbordam o limite do privado e chegam ao conhecimento público. Enfim, neste caso, as pessoas têm consciência de que o discurso é incivil, mas o emite por uma falsa impressão de que o ambiente de interação é privado."
O artigo 'Crude Comments and Concern: Online Incivility's Effect on Risk Perceptions of Emerging Technologies', publicado em fevereiro por cinco pesquisadores da Universidade Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, revela informações de uma investigação específica sobre a influência de comentários ofensivos na maneira como as pessoas opinam sobre fatos, dados, eventos e processos sobre os quais têm pouco conhecimento. No caso da pesquisa, nanotecnologia, um tema propositalmente neutro, escolhido para evitar arroubos passionais.
O jornalista Carlos Castilho, do 'Código Aberto', blog que segundo seu autor já teve "a área de comentários bastante tumultuada durante quase dois anos por trocas de ofensas entre leitores impacientes, pouco acostumados a terem suas opiniões contestadas por outros", comentou a pesquisa da instituição norte-americana: "As conclusões mostraram que as pessoas com pouca familiaridade com novas tecnologias como a nanotecnologia tendem a valorizar mais o lado negativo do tema em questão quando os comentários postados nos textos do blog resvalaram para a baixaria e ofensas pessoais."
Carlos destaca que, segundo o estudo, "embora os comentaristas pouco civilizados sejam os responsáveis pela criação de um clima de radicalização de posições num debate on-line, a causa, o gatilho que dispara a polêmica, é a noticia ou o texto analítico original publicado num blog, rede social ou página web de referência. A pesquisa mostra que uma notícia descontextualizada, enviesada ou uma análise crítica posicionada contra alguma ideologia, projeto político, postura religiosa ou proposta partidária tende a acirrar ânimos."
Samuel acredita que ao mesmo tempo em que a internet viabiliza a associação para ações benéficas em termos democráticos e sociais, permite também a reunião e a organização de extremistas, radicais e intolerantes de todos os tipos para a produção de discursos ou, pior, de ações contra determinados atores ou identidades.
A conclusão é que compreender por que as pessoas se sentem à vontade para manifestar ódio em comentários on-line é difícil e exige uma consideração sobre a dinâmica da comunicação, as motivações psicológicas e as implicações éticas.