quarta-feira, 10 de novembro de 2010

ENTREVISTA: Luiz Macedo, do Programa de Responsabilidade Social e Sustentabilidade no Varejo da FGV

Logo quando iniciei minhas pesquisas sobre sustentabilidade, em especial, com foco em varejo, descobri o Luiz Carlos Macedo. Em dezembro de 2008, li um artigo dele, em parceria com a relações públicas Sheila Prado Saraiva, chamado “SUSTENTABILIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL NO VAREJO: o papel da comunicação na formação da cultura e implementação das práticas” e passei a me interessar ainda mais pelo tema.

Luiz é graduado em Relações Públicas pela Universidade Estadual de Londrina, (UEL), com especializações em Gestão de Iniciativas Sociais pela UFRJ e Gestão de sustentabilidade pela FGV. Atua no desenvolvimento do Programa de Responsabilidade Social e Sustentabilidade no Varejo da FGV desde sua criação, em 2003. É autor de livros, artigos e publicações sobre Varejo Sustentável.

O profissional, muito gentilmente, respondeu algumas perguntas para o RP em Questão, discutindo aqui o papel da comunicação na formação de uma cultura para o consumo consciente.

RP em Questão: Quando foi que o varejo acordou para a sustentabilidade? Podemos dizer que o Walmart foi o pioneiro?
Desde 2003, quando começamos a desenvolver o Programa de Responsabilidade Social e Sustentabilidade no Varejo, temos acompanhado diversas iniciativas de empresas varejistas brasileiras e do exterior em busca de inserir práticas sustentáveis na gestão dos seus negócios. Atualmente nosso banco de práticas (www.varejosustentavel.com.br) tem mais de 400 projetos de responsabilidade social/sustentabilidade cadastrados. Isso demonstra que o varejo está praticando a sustentabilidade. Contudo isso não quer dizer que essas empresas são sustentáveis. Praticar a sustentabilidade tem sido um aprendizado constante para as empresas varejistas. São muitos os dilemas e problemas encontrados pelo caminho. Como o setor é muito diversificado, com muitos ramos de atuação, as empresas estão em estágios também distintos em relação às práticas sustentáveis. As micro e pequenas, apesar de sempre estarem engajadas com alguma iniciativa, ainda realizam mais projetos ligados à filantropia, tendo a comunidade do entorno como público-alvo. As médias e grandes empresas já estão avançando para um estágio mais elevado, introduzindo aos poucos a sustentabilidade nas suas operações diárias e fazendo com que critérios sustentáveis sejam adotados e praticados por todos os seus stakeholders, principalmente, os funcionários, consumidores e fornecedores. Neste sentido de incorporar a sustentabilidade no dia a dia do seu negócio, nos últimos anos, o Walmart tem desempenhado um grande papel, pois tem conseguido envolver toda a sua cadeia de valor para cumprir diversas metas sustentáveis. (Outras informações sobre o trabalho do Walmart podem ser encontradas em:
http://www.walmartbrasil.com.br/sustentabilidade/)

RP em Questão: O setor varejista alimenta um mercado consumidor, que se pensarmos, está no caminho inverso de questões ambientais importantes. Como podem continuar seu negócio de forma sustentável?
O varejo, por sua própria natureza, é um grande motivador do consumo de produtos e serviços. O varejo é o intermediário entre a produção e o consumo. Até o início de século XXI, tanto a produção quanto o consumo de produtos e serviços eram apenas processos naturais para a indústria e o varejo e também para seus consumidores, sem outras preocupações, sobretudo, aquelas relacionadas com questões sociais e ambientais. Mas, nos últimos anos o levantamento de uma série de problemas socioambientais e a preocupação da sociedade com o desenvolvimento sustentável do planeta fizeram com que as empresas em geral e também os varejistas estão olhassem com mais cuidado para os impactos de suas atividades, buscando atender às demandas dos consumidores que já começam a não querer comprar produtos de empresas que poluem o meio ambiente e não respeitam os direitos de seus trabalhadores, entre tantas outras práticas. Justamente por sua característica de agente intermediário na cadeia produtiva, o varejo pode dar uma contribuição muito significativa no campo da sustentabilidade. Hoje as empresas varejistas podem e devem promover o consumo consciente em suas ações de comunicação e no ponto de venda, podem reformar ou construir novas lojas utilizando materiais e equipamentos que reduzam o consumo de recursos naturais, diminuam a emissão de gases, muitas vezes, reduzindobastante o custo da sua operação no médio e longo prazo. As empresas varejistas também têm a possibilidade de influenciarem seus fornecedores para que sejam parceiros de suas iniciativas sustentáveis e para que sigam critérios de fornecimento que levem em consideração o respeito à legislação fiscal e trabalhista, favorecendo a erradicação do trabalho infantil e escravo da cadeia produtiva e, ainda, que os produtos comercializados não sejam provenientes da exploração predatória dos recursos naturais.

RP em Questão: No último ano, o varejo tem apostado na onda do não descartável. Surgiram as embalagens que podem ter refis, as ecobags. O caminho adotado é o correto?
Um dos assuntos que mais preocupa o varejo atualmente é o descarte das embalagens e das sacolas plásticas oferecidas aos consumidores. As sacolas quando bem destinadas, vão parar em aterros sanitários, mas demoram muito tempo (centenas de anos) para entrar em decomposição. Quando descartadas incorretamente, acabam se juntando aos entulhos e montes de lixo que vão parar nos córregos e rios locais, ocasionando diversos problemas ambientais. Para tentar chegar a uma solução, muitas alternativas têm sido discutidas: estímulo à utilização de sacolas retornáveis, feitas em tecido, lona etc.; adoção de sacolas oxi-biodegradáveis e, até mesmo, o descarte de embalagens desnecessárias no ponto de venda. Todas as alternativas são interessantes, mas ainda existem diversas dúvidas por parte dos consumidores e também dos varejistas para adoção e promoção de cada uma delas. Muitos aspectos técnicos e de higiene tem de ser considerados e regulamentados. Reduzir a cultura do descartável é um bom caminho. Mas, devemos ir além disso, temos que ser capazes de inovar e criar novas tecnologias para que o ciclo de vida dos produtos e de suas embalagens possa se fechar, isto é, que um determinado material utilizado numa embalagem seja utilizado e descartado da forma correta, seja reciclado e colocado novamente na cadeia produtiva, servindo de matéria-prima para novos produtos.

RP em Questão: O varejo pode e deve fazer mais por essa questão. Quais ações complementariam essa linha de trabalho? Há algo em andamento?
O varejo deve e precisará fazer mais por todas as questões que envolvam a sustentabilidade do planeta. Como promotor do consumo, o varejo terá que assumir a promoção do consumo consciente em vez de somente estimular o consumo desenfreado e irresponsável entre as pessoas. O consumidor, mesmo que ainda de forma tímida, deseja que os produtos e serviços que consome contribuam positivamente para o seu bem estar e para as futuras gerações do nosso planeta. O consumidor quer saber a origem e a história dos produtos e a tendência e que esse comportamento aumente nos próximos anos. Pela sua capilaridade e pela sua intensa relação com os consumidores, o varejo terá um leque de opções em aberto para assumir sua responsabilidade frente a uma série de assuntos relevantes para a sociedade e para a sobrevivência do seu negócio e também uma grande oportunidade de se beneficiar das atitudes sustentáveis como diferencial competitivo.

RP em Questão: Qual o papel da comunicação na disseminação da sustentabilidade no setor varejista?
No setor varejista existe a vantagem de se utilizar intensivamente das ferramentas de comunicação e marketing, integrando-as à sua habilidade e proximidade em lidar com os públicos, o que tende a ser um grande diferencial. No entanto, há o desafio de ser responsabilizado por toda a cadeia, inclusive o pós-consumo e, com isso, torna-se uma necessidade do negócio pensar soluções e engajar seus públicos para garantir a efetividade das ações. A comunicação da sustentabilidade, ou seja, a abertura da informação e prestação de contas aos públicos interessados também é um ponto de atenção. Apesar da disseminação no uso de ferramentas e metodologias que visam facilitar essa comunicação, os relatórios de sustentabilidade das empresas brasileiras ainda não alcançam objetivos básicos da ferramenta. Em recente pesquisa realizada pelo Centro de Excelência em Varejo, da FGV-EAESP, na cidade de São Paulo, os consumidores, principais agentes de mobilização das organizações para a sustentabilidade, vêem positivamente a comunicação das iniciativas sustentáveis e não vêem problema em usar este tipo de comunicação para valorizar a imagem da empresa. Mas vale a pena lembrar que o consumidor está mais atento às incoerências e à veracidade das iniciativas divulgadas. A pesquisa releva, ainda, que há uma grande expectativa do consumidor em ser mais bem informado, e que ele espera do varejo maneiras de promover o consumo consciente, para que ele possa fazer a sua parte.

RP em Questão: Como ela pode ajudar a colocar em prática os valores que permeiam a sustentabilidade?
As empresas pioneiras nessas ações de comunicação obtêm reconhecimento e maior valorização da imagem junto ao público consumidor. Elas passam a engajar seus stakeholders para a realização das ações. Neste caso, segundo da pesquisa da FGV-EAESP, entre as empresas mais lembradas pelo consumidor estão aquelas que realizam iniciativas para redução do uso de sacolas plásticas, programas de reciclagem e as que interagem com a comunidade do entorno das lojas.

RP em Questão: Qual o seu papel na educação para o consumo consciente?
A educação para o consumo consciente não deve ser uma função exclusiva do varejo, o envolvimento do consumidor é fundamental para a concretização da sustentabilidade em sua cadeia e para a aplicação integral do conceito de responsabilidade social. Sem isso, o varejo corre o risco de limitar o alcance e o lastro de suas iniciativas. Além disso, o varejo tem condições favoráveis e a proximidade necessária para executar essa função de modo eficiente. Um aspecto interesse é justamente poder contribuir durante o momento em que a compra se realiza e no espaço onde ela acontece. O consumidor precisa ser formado para que possa entender seu papel e o impacto de suas escolhas e informado, para que possa buscar a melhor opção. Se por um lado já começa a prestigiar e a punir empresas por suas práticas, por outro, ainda não é capaz de sozinho relacionar o seu ato de consumo cotidiano com um impacto social ou ambiental. Parece haver um “buraco” neste entendimento, pois o consumidor não relaciona a atuação das empresas e seu próprio papel nesta cadeia. Isso quer dizer que ele pode adquirir uma sacola ecológica, mas não compreende, por exemplo, os danos causados no ecossistema por uma sacola plástica que vai parar no mar. Ou então, que aquela camiseta barata que ele comprou pode envolver uma contratação irregular de mão-de-obra e por aí vai.

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