domingo, 11 de maio de 2008

Era digital produz inúmeras versões de história

“Diante do enfraquecimento das formas tradicionais de relações públicas e de comunicação, com o objetivo de envolver os empregados e outros públicos, a história organizacional começou a se firmar como uma nova perspectiva para o reforço, principalmente, do sentimento de pertencimento dos empregados, como protagonistas fundamentais das realizações, dos bens, dos serviços e da própria sustentação dos empreendimentos”. Este trecho, retirado da introdução do livro “Relações Públicas na construção da responsabilidade histórica e no resgate da memória institucional das organizações”, escrito por Paulo Nassar e cuja segunda edição foi lançada pela Difusão Editora na Livraria da Vila em São Paulo/SP, dá o tom da relevância e da transdisciplinaridade do tema. O evento, ocorrido na noite de 7 de maio de 2008, foi integrado por um debate sobre as novas narrativas e a valorização da história e da memória no mundo contemporâneo, contando com Cadão Volpato, Luiz Ruffato e Massimo Di Felice.
O impacto das tecnologias digitais esteve no centro das discussões. A perda da centralidade das empresas neste processo de múltiplos narradores de histórias e produtores de conteúdo, instaurado com a internet, mostra que as interações permitem múltiplas versões da história. Questões de veracidade ou idoneidade à parte, trata-se de um momento importante de quebra de paradigmas, que não pode ser negligenciado pelas organizações. Num cenário de permanente negociação de sentidos, há uma alteração no modus operandi dos comunicadores, como por exemplo no enfraquecimento da definição, dos limites e do trabalho de RP via stakeholders. “São as novas relações públicas”, conceitua o autor Paulo Nassar. Ele é mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, onde também leciona na graduação e pós-graduação, além de ser diretor geral da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial – www.aberje.com.br .
Massimo Di Felice, que coordena o centro de pesquisa Cepop/Atopos na USP sobre as transformações da opinião pública nos novos contextos digitais, complementa a abordagem indicando uma alteração na relevância do conceito de líderes de opinião. Para ele, com o digital passa-se da democracia para a tecnocracia, onde quem tem acesso às tecnologias faz prevalecer sua voz independente de sua relação imediata com as organizações. “É uma tomada de palavra generalizada, um fato extremamente importante, uma transformação da esfera pública. Isto altera a forma de organização da sociedade, que não é mais dicotômica, centro e periferia, mas uma grande mistura”, assinala.
O uso do potencial de criação e difusão de pontos-de-vista na web, aliado com conceitos de memória, vai depender de preceitos éticos. Nassar relata conhecimento de demandas de clientes, em que agências de comunicação são contratadas para permear suas estratégias de comunicação com a recriação de histórias passadas, buscando manipular lembranças em busca de uma nova reputação. “Como tudo, pode ser usado para o bem ou para o mal”. Seu livro, todavia, prefaciado pela professora e RP Margarida Kunsch, é recheado de bons exemplos. Dividido em quatro capítulos por 206 páginas, traz módulos que tratam da ressignificação do olhar, uma visão abrangente e crítica das relações públicas, RP e mediações organizacionais, RP e construção da memória empresarial e memória e história empresarial no Brasil (com casos como da Petrobras, Vale, BNDES, Bunge, Odebrecht e Votorantim).
VERTENTES – O estudo da memória tem avançado em suas interfaces. Nassar relata que do tempo de prevalência da história monumental e dos museus muito já mudou, ainda que continuem sendo formatos válidos. Entre as novas vertentes de estudo e realização de projetos, estão a história com a Neurologia e o efeito dos sentidos e da sua ausência, a memória com a Antropologia na ligação das pessoas e suas histórias com lugares, a memória involuntária despertada pelas sensações, o vínculo da memória com a História como no caso do Holocausto e outros acontecimentos, as narrativas publicitárias com mistura de entretenimento e História e ainda a memória e a gestão do conhecimento com a administração dos esquecimentos.
O mineiro Luiz Ruffato destaca que o escritor trabalha invariavelmente com memória. O resgate feito pelos blogs do hábito de escrever é comemorado por ele. No entanto, a suplantação tecnológica leva à obsolescência. Fazendo uma gradação dos avanços na área de música, passando por LP, fitas cassete, CD, MP3 player e os downloads de faixas, o debatedor alerta que toda aquisição de novas oportunidades de compreender e conviver no mundo faz perder as formas anteriores. “Como memorialista, eu me interesso pelo que não ficou. E sobre quem é responsável pela seleção do que vai ficar”, situa.
De outro lado, o escritor, músico e jornalista Cadão Volpato não se ressente com a perda gradativa de alguns suportes, sob o benefício da comodidade, da qualidade, da variedade e da democratização de acesso da tecnologia. Primeiramente dizendo que acha “perda de tempo” a leitura de blogs em geral, reconhece logo depois que visita sempre um espaço especializado de cultura da cidade do Porto. Talvez o segredo seja atingir especificidades de interesse, daí jornalistas, escritores e produtores de conteúdo vão precisar contentar-se com audiências menores.
Não acreditando na extinção paulatina de mídias, Di Felice lembra que o livro foi uma das primeiras mídias detonada nas previsões com a chegada da internet, o que não se comprovou. “Nunca se publicou tanto e nunca se leu tanto como hoje”, enfatiza dizendo que a história da tecnologia não tem seguido o caminho das visões desenvolvidas pelo homem. O que é interessante para o pesquisador é que “o digital permite uma memória externa infinita, com acesso imediato a qualquer época”.
O debate também serviu pra divulgar o Dia Internacional de Histórias de Vida, marcado para 16 de maio. Na data, cerca de 80 organizações de 30 países preparam atividades especiais, como mostras de vídeos, exposições e contação de histórias e encontros virtuais. No Brasil, o gerenciamento está sendo feito pelo Museu da Pessoa – www.museudapessoa.net.
RP Rodrigo Cogo – Conrerp SP/PR 3674Gerenciador do portal Mundo das Relações Públicas (www.mundorp.com.br)

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